Há cinco dias “fora do mundo”, tomo agora consciência de que, como é habitual, as imputações e as “circunstâncias" devidamente seleccionadas contra mim pela acusação ocupam os jornais e as televisões. Essas “fugas” de informação são crime. Contra a Justiça, é certo; mas também contra mim.
Não espero que os jornais, a quem elas aproveitam e ocupam, denunciem o crime e o quanto ele põe em causa os ditames da lealdade processual e os princípios do processo justo.
Por isso, será em legítima defesa que irei, conforme for entendendo, desmentir as falsidades lançadas sobre mim e responsabilizar os que as engendraram.
A minha detenção para interrogatório foi um abuso e o espectáculo montado em torno dela uma infâmia; as imputações que me são dirigidas são absurdas, injustas e infundamentadas; a decisão de me colocar em prisão preventiva é injustificada e constitui uma humilhação gratuita.
Aqui está toda uma lição de vida: aqui está o verdadeiro poder - de prender e de libertar. Mas em contrapartida, não raro a prepotência atraiçoa o prepotente.
Defender-me-ei com as armas do estado de Direito - são as únicas em que acredito. Este é um caso da Justiça e é com a Justiça Democrática que será resolvido.
Não tenho dúvidas que este caso tem também contornos políticos e sensibilizam-me as manifestações de solidariedade de tantos camaradas e amigos. Mas quero o que for político à margem deste debate. Este processo é comigo e só comigo. Qualquer envolvimento do Partido Socialista só me prejudicaria, prejudicaria o Partido e prejudicaria a Democracia.
Este processo só agora começou.
Évora, 26 de Novembro de 2014
José Sócrates
Socialistas debatem afastamento de figuras próximas de Sócrates
Uns falam na necessidade de um sinal para fora do partido. Outros defendem que o PS está perante "uma oportunidade" para levar por diante uma "regeneração".
O sentimento não é unânime, mas “é uma opinião que vai correndo”, conforme reconheceu um deputado socialista. Ainda atordoados com o golpe que representou a detenção do ex-secretário-geral José Sócrates a poucos dias do Congresso do PS, no seio das hostes socialistas debate-se sobre como deve o novo líder, António Costa, gerir as próximas semanas políticas.
Para lá da manutenção discurso de separação de poderes – elogiado por todos –, há quem defenda no interior do principal partido da oposição que o presidente da Câmara de Lisboa tem de ir mais longe no sinal a dar ao país.
Na mente de alguns dirigentes do PS ouvidos pelo PÚBLICO está a urgência de concretizar numa decisão um distanciamento higiénico em relação a um passado recente. Um ex-dirigente nacional sustentou mesmo que o actual momento era “uma oportunidade para os partidos, não só o PS, para operar uma regeneração” interna.
Vários responsáveis socialistas reconheceram terem sido abordados sobre essa necessidade. Com a ressalva de que esse sinal a dar é responsabilidade, tanto de Costa, como de Álvaro Beleza (em representação dos seguristas), na elaboração das listas para os próximos órgãos dirigentes do partido.
As circunstâncias em que vai decorrer a reunião magna dos socialistas criam dificuldades acrescidas ao novo líder no momento de escolher as pessoas para a sua equipa. “Costa terá de ter inteligência política e ponderar o que é mais importante para o PS e agir em conformidade. E esse equilíbrio é que é difícil", sublinhou um socialista.
“Este terramoto vai obrigá-lo a ter mais cuidado com as escolhas a fazer para os órgãos nacionais. Tem de se rodear de pessoas com peso político, mas também idóneas e com reconhecimento público interno e externo”, adiantou ao PÚBLICO outra fonte, revelando que a detenção do ex-líder apanhou a direcção do grupo parlamentar completamente de surpresa. A intervenção do líder da bancada parlamentar, Ferro Rodrigues, há dias no Parlamento, que visou ensaiar uma espécie de reabilitação política de José Sócrates, indicia isso mesmo, refere outra fonte.
Injusta ou não, um deputado do PS lembra a “narrativa de colar Costa ao velho PS”. Perante a gravidade da situação, Costa terá de “ter cuidado com as pessoas que vai colocar na direcção do partido”. Esse sentimento transpira tanto de uma parte do grupo parlamentar como de algumas “estruturas” do partido.
“Têm que se tomar medidas”, adverte um outro dirigente distrital socialista, para evitar que o PS saia das próximas legislativas com “pouco mais de 20% dos votos”. E o primeiro sinal conclui esse dirigente tem de ser dado no Congresso: “Até prova em contrário, há gente que devia entrar em pousio”.
Um outro dirigente, com responsabilidades nacionais, reconhece que “há malta que quer correr com os socráticos”. Mas admite que esse é um exercício difícil. “Fazer algo de muito dramático pode ficar mal”. Como se uma decisão drástica de varrimento transparecesse a ideia de que o PS assumia responsabilidades.
Ainda assim, alguns dirigentes e deputados fazem já contas ao alcance dessa necessidade. “Há uma geração que marcou uma época”, afirma um deputado. “Aqueles que estão sempre a aparecer na televisão”, precisa um dirigente nacional. “Ex-ministros” de José Sócrates, concretiza um socialista que já teve responsabilidades nacionais.
Congresso em causa?
A gravidade da situação levou mesmo a que, no seio do PS, se debatesse uma proposta grave. O adiamento do congresso do PS, marcado para este fim-de-semana, em Lisboa, chegou a passar pela cabeça de alguns destacados socialistas.
Ainda assim, confiam na capacidade de Costa em gerir a crise. “Por muito desagradável e incómoda que a situação seja, o PS não pode baixar os braços, porque o partido é muito mais do que isso [a herança de José Sócrates] e tem de se concentrar no grande desafio que tem em 2015: as eleições legislativas ”, afirmou ao PÚBLICO uma das fontes, vincando que António Costa terá de fazer uma intervenção, separando as águas, dando assim o tom à reunião magna dos socialistas, por que se não - diz a mesma fonte - o congresso será uma reunião de carpideiras”.
Costa terá de apelar para que os eventuais “sentimentos de solidariedade e amizade pessoais” não se confundam com a acção política. À justiça o que é da justiça. Aos partidos exige-se que saibam lidar com as réplicas que este terramoto na justiça irá provocar no terreno político, entendem várias fontes. Outras advertem para o facto de o partido ainda não ter festejado a vitória do secretário-geral, porque no dia em que António Costa era eleito, o país estava agarrado à televisão a ver a prisão de José Sócrates.