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Navego livremente entre a cidade e as serras (Baião«»Porto) Aquilo que me move é a entreajuda. Vou navegando na esperança de poder chegar a alguma pessoa ou lugar e poder ajudar. @Zé de Baião
Estudos brasileiros vinham demonstrando que "o filho de pedreiro virou doutor".
No entanto, os diversos estudos portugueses demonstram que o doutor está a virar pedreiro e que a maioria dos filhos dos pedreiros nunca chegaram a doutores.
Um dos pensamentos mais assertivos que Nelson Mandela proferiu e que marcará para sempre a história da educação e da humanidade, remete-nos para a reflexão sobre a educação enquanto “a arma mais poderosa que podemos utilizar para mudar o Mundo”. Contudo, apesar de ser mundialmente reconhecido que a educação é um direito humano universal e inalienável, bem como a estratégia mais eficaz para o crescimento e desenvolvimento integral de qualquer país, o facto é que, em pleno século XXI, em Portugal, na Europa e no Mundo, nem todos têm os recursos necessários para aceder, em igualdade de circunstâncias, às diferentes componentes dessa “arma” e muito menos provida da devida liberdade e qualidade.
Questionarmo-nos sobre a importância dos diversos níveis e graus da educação para o ser humano, é como nos questionarmos sobre os diversos elementos da natureza ou sobre o ar que respiramos. A educação, seja de que nível for, está e estará muito para além do estatuto, do emprego ou do rendimento que nos possa gerar. É através da educação que somos preparados para todas as etapas da nossa vida. É através da educação que garantimos o nosso desenvolvimento humano, social, cultural e económico, sendo também através da educação que garantimos o equilíbrio e a paz social. O direito à educação de qualidade é um direito basilar, sendo que é através da educação que se assegura o cumprimento de todos os outros direitos e deveres.
Portugal é dos países onde tirar um curso superior mais pesa nos rendimentos familiares, sendo que, face ao aumento do desemprego, que afeta sobretudo as famílias mais desfavorecidas e do interior, são cada vez mais os estudantes sem esperança de poder vir a aceder ao ensino superior, sendo que os custos de frequência são dos mais elevados da Europa e as regras de atribuição de bolsa de estudo não acompanham essas dificuldades.
Ao contrário do que acontece em diversos Estados-membro da União Europeia, em Portugal a esmagadora maioria das bolsas de estudo pouco mais cobrem do que o valor das propinas, motivo que tem levado muitos jovens a não concorrer ao ensino superior e mesmo a desistir dos cursos em que ingressaram. A alimentação, os transportes e o alojamento são cada vez mais dispêndiosos e os apoios sociais/bolsas cada vez mais diminutos. A maioria já nem livros compra, limitando-se a fotocopiar capitulos ou apontamentos, ou mesmo a trabalhar só com documentos digitais retirados da internet, o que chega a comprometer o bom desempenho escolar.
Desde que o Governo retirou do Regumento de Bolsas de Estudo a possibillidade de se poderem abater determinados encargos ao rendimento bruto anual do agregado, tais como: renda de casa ou empréstimo, mais do que um estudante no ensino superior, estudante deslocado, encargos de saúde ou deficientes no agregado,..., que o valor de bolsa se tem mostrado insuficiiente para garantir o acesso e sucesso dos estudantes carenciados no ensino superior.
São sobretudo as famílias mais carenciadas que, por não disporem de informação sobre os reais custos de um curso superior e ao depararem-se com a generalização do desemprego entre os mais qualificados, tendem a sobreavaliar as despesas e a acabar por afastar os filhos das universidades e politécnicos, caminhando-se de novo para a elitização do sistema de ensino superior português.
É certo que em Portugal, desde meados dos anos 90, fomos assistindo a uma maior abertura do processo democratizador e à expansão do ensino superior, mas o facto é que, quando se analisa com maior pormenor a proveniência dos estudantes, verificamos que, apesar dessa expansão, nomeadamente pelo interior, tem-se vindo a verificar um estreitamento da faixa daqueles que são filhos de famílias de baixos rendimentos ou de níveis habilitacionais e culturais mais baixo. A informação, a educação, a cultura e sobretudo os apoios socioeconómicos e socioeducativos, têm estado afastados dos agregados familiares de mais baixos rendimentos e de mais baixos níveis socioeducativos e socioculturais.
É cada vez mais notório que a grande maioria dos estudantes que ingressa no ensino superior continua a ser proveniente das classes média e média-alta, o que é mais notório nos cursos de maior estatuto social e de maior empregabilidade, situação que é bem divergente da maioria dos Estados-membro da União Europeia. Portugal padece de um atraso estrutural quer no sector da educação de base, como ao nível do ensino superior. Veja-se, por exemplo, que os países escandinavos já no princípio do século XX haviam praticamente eliminado o analfabetismo e garantido o acesso a todos que pretendam ingressar no ensino superior, enquanto que, em Portugal, em 1974, 30% a 40% da população não sabia ler nem escrever, correspondendo essa geração à geração dos pais dos jovens que hoje deveriam estar a ingressar ou já a sair do ensino superior, mas, na realidade, ficaram pelo caminho mesmo antes de terem chegado do ensino secundário. Ora, se não tiveram meios para sequer chegar ao 12.º ano, como é que haveriam de ter esperança ou ambição para hoje acederem ao ensino supeior?
É por estes motivos, mas também por outros, que os nossos políticos e governantes devem permanecer muito atentos relativamente às condições socioeconómicas e socioculturais das famílias e dos estudantes, bem como atentos relativamente às medidas de apoio socioeconómico e socioeducativo que sejam capazes de garantir as condições necessárias para que ninguém fique excluído do ensino superior por falta de recursos económicos, por falta de outros apoios socioeducativos, mas também, por falta de visão e de esperança. Quer os filhos da classe média/alta, quer os filhos oriundos de famílias mais desfavorecidas têm demonstrado que são igualmente jovens com as mesmas capacidades e competências e acima de tudo com muito valor, o qual será perdido se não for devidamente valorizado e apoiado, não só ao nível do acesso ao ensino supeior, mas de modo integrado e desde o ensino básico ao ensino superior, sendo que todas as instituições educativas e nomeadamente as autarquias têm responsbilidades socioeocnómicas, socioeducativas, formativas e informativas, competindo também a estas fazer a ponte entre o ensino secundário e o ensino superior.
Em Portugal, o desemprego é cada vez mais alto e o nível de rendimento familiar cada vez mais baixo, sendo que, se já sobra pouco à classe média para investir em educação e cultura, imaginem como reagirão as famílias mais desfavorecidas, sendo que, se associarmos o grau de carência à pouca predisposição para investir em educação e cultura, iremos certamente depoletar o desinvestimento e o abandono escolar que reencaminhará para subdesenvolvimento, não só educativo e cultural, mas também socioeconómico.