O "Zé de Baião" é o perfil de um aldeão que no Porto apelidam de "rabelo". É mais um dos baionenses que se sentiu forçado a abandonar temporariamente a sua terra e a sua gente, mas mantendo o percurso de subida e descida do Rio (Douro) em busca de trabalho, de melhores condições de vida e acima de tudo para conseguir o acesso ao conhecimento e à cultura.
Recusa-se a permanecer satisfeito com a condição de aldeão e mesmo consigo próprio. Por isso, continua a subir e descer o rio, contrariando muitas vezes a força das correntes e continuando a lutar, a avançar, a estudar e a trabalhar, acreditando e tendo esperança que é sempre possível aprender mais e mudar e, por incrível que pareça, ainda acredita que é possível evoluir e ter sucesso com base no mérito.
A estes aldeões os portuenses chamam de "rabelos", isto porque sabem que somos incapazes de abandonar a nossa terra e a nossa gente e argumentam que andamos sempre, rio abaixo, rio acima, até nos desfazermos na passagem infeliz de um ponto qualquer, ou então, se não tivermos essa fraca sorte, até sermos abandonados nalgum recanto das margens, onde permaneceremos a desfazer-nos ao tempo implacável, tal como acontecia, noutros tempos, aos barcos rabelos.
Mas acreditem que podemos e devemos ter muito orgulho no apelido de "aldeão" e e de "rabelo", até porque, se a estas carcaças de madeira (já gasta e podre) os marinheiros e a gente da cidade dão o nome de "morto", não nos podemos esquecer que, por vezes, estes restos dos rabelos acabam por servir para aquecer o corpo e a alma de muitos dos citadinos que não dispõem de recursos suficientes para se recolher num lar aconchegado e nas noites frias de inverno.
Dizem ainda que temos as mão rudes e que utilizamos técnicas primitivas, mas esquecem-se que, destas mãos e destas cabeças, recorrendo apenas aos raios de sol, à água e à terra, temos a capacidade de fazer surgir um conjunto de coisas requintadas na sua equilibrada conceção, imponentes no seu aspeto, altivas no seu porte e mesmo verdadeiros embaixadores de uma gente, de uma pequena localidade ou mesmo de uma região e do nosso País.
Todos os dias que descemos o rio e nos vemos obrigados a abandonar a nossa terra e a nossa gente, sentimos o peso da carga de um barco, mas todas as vezes que subimos o rio em busca das nossas origens, dos familiares e amigos, voltamos a sentir o vencer da corrente. Podemos passar por enormes dificuldades, mas tenham a certeza que não nos deixaremos vencer por qualquer corrente, tenha ela a força que tiver. Tanto somos capazes de navegar ao sabor do vento e da corrente, como temos a força e a capacidade de a vencer.
Já dizia Eça de Queirós* que "a desconfiança terrível de si mesmo, que o acobarda, o encolhe, até que um dia se decide, e aparece um herói, que tudo arrasa(...) Assim todo completo, com o bem, com o mal, sabem vocês quem ele me lembra?" – Baião e Portugal.
*Eça de Queirós, “A Ilustre Casa de Ramires” (Sem esquecer a Cidade e as Serras que marcam a passagem por Baião)